Sursis e ingestão de substância alcoólica

Na segunda temporada da série televisiva For Life – Lutando por Justiça, sobre a inspiradora jornada do presidiário Aaron que se tornou advogado dentro da prisão, assistimos cena em que o oficial de livramento condicional, quando Aron está em liberdade depois de intensa batalha nos tribunais de NYC, o proíbe de ingerir qualquer substância alcoólica durante o período de prova do benefício, 3 anos.

Diante disso, pensamos a respeito do direito brasileiro, e nele não há espaço a tal tipo de proibição. Recentemente, a 3ª Turma Recursal de Florianópolis, ainda que por maioria, decidiu excluir a proibição genérica de ingerir bebida alcoólica como condição especial do sursis. A decisão se deu por maioria, vencido o relator. No caso, o condenado teve a pena suspensa com a imposição de algumas condições, dentre as quais a proibição de ingestão de bebidas alcoólicas, com o que não concordou e questionou judicialmente. A Turma Recursal, no exame de apelação, decidiu que o artigo 79 do Código Penal, ao autorizar a fixação de outras condições em face da concessão do sursis, não conferiu ao julgador o direito de impor restrições em descompasso com a proporcionalidade da condição e o contexto do caso: “A cisão entre Direito e Moral impede que iniciativas moralizantes possam se valer de espaços de poder para impor, por meio de decisões judiciais, a vedação ao exercício de direitos que podem fazer mal ao agente, isto é, mostra-se vedada a proibição genérica do uso de drogas, de álcool, de comida, enfim, de qualquer ação que esteja no espectro da liberdade do agente. Do contrário, teríamos o protagonismo da arbitrariedade judicial, criando-se restrições não previstas em lei (taxatividade penal).” As condições impostas pelo sursis devem guardar correlação/nexo com o fato imputado e não podem ser universais, ou seja, devem ter relação com a narrativa da denúncia. No caso, em nenhum momento a denúncia refere-se ao fator “álcool”. “Aceitar a proibição genérica de ‘consumo de álcool’ significaria, na hipótese de manutenção, a prevalência da postura paternalista, desprovida de suporte democrático, justamente por avançar sobre o espaço de liberdade (autonomia privada) do sujeito, sem autorização legal.”

Concluiu a Turma Recursal que, por ausência de previsão em lei e pelo moralismo ser insuficiente para legitimar medidas de natureza penal, uma vez que é intrínseco ao Estado Democrático de Direito a necessidade de mínima criação de perigo ao bem tutelado, o Poder Judiciário não pode impor a proibição genérica e universal ao consumo de álcool.

Apelação nº 0005041-26.2016.8.24.003