Apropriação indébita tributária e a Covid-19.

A Receita Estadual do RS, no dia 3 de abril, devido ao estado de calamidade decretado pelo Governo do RS, baixou a Instrução Normativa nº 23/20, permitindo o parcelamento em até 12 vezes do ICMS informado em GIA, GIA-SN, GIA-ST e DeSTDA, sem a necessidade de garantia e com entrada equivalente a 1/12 do valor parcelado, a ser obtido, preferencialmente, pela internet.

A legislação penal federal, mais especificamente a Lei nº 8.137/90, tipifica como crime de apropriação indébita tributária, com pena de prisão em até 2 anos, a conduta de deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”, no que se inclui o não-recolhimento do ICMS cobrado do comprador referente à mercadoria vendida.

E o STF, em julgamento recente, realizado no dia 18.12.19, confirmou isso[1], encerrando discussão que até então havia nos tribunais, de que somente o não recolhimento do ICMS em substituição tributária caracterizaria o crime, excluído ICMS próprio, porque, uma vez declarado, devidamente escriturado, não haveria qualquer espécie de fraude ou quebra de confiança pelo contribuinte, mas mero inadimplemento.

Bem verdade que o STF, ao firmar o entendimento pelo crime, referiu-se ao contribuinte que, de forma “contumaz” e com a “intenção” de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, o que excluiria de incriminação o não-recolhimento excepcional, provocado, por exemplo, por uma aguda crise econômico-financeira como a que atualmente assola o país em função da pandemia da Covid-19. Além da maliciosa intenção do empresário de tomar para si o valor do ICMS, a configuração do crime também dependeria da contumácia, que, pela legislação gaúcha, caracteriza-se pelo inadimplemento mínimo de 8 meses nos últimos 12, conforme a Lei Estadual nº 13.711/2011.

Mesmo assim, como medida preventiva de eventuais processos criminais, cujas consequências geralmente são graves para os envolvidos, a partir da exposição pública e do o risco à liberdade, recomendável que o empresário que não tiver caixa para recolher o próximo ICMS ou que não possa vir a fazê-lo em 1 ou 2 meses, por causa da atual crise sem prejuízo do pagamento dos salários aos colaboradores, antes de deixar de recolher o tributo procure, junto ao Fisco Estadual, o parcelamento previsto na Instrução Normativa 23/20, providência que evidenciaria a falta de dolo de se apropriar, diminuindo as chances de um futuro processo penal, especialmente se depois não tiver condições para cumprir o parcelamento na sua íntegra, ou se o parcelamento, por alguma razão, não lhe for concedido.

[1] “O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990”Habeas Corpus 163.334.